sexta-feira, 15 de maio de 2009

Responsabilidade social é um fenômeno complexo demais para ser mensurado

Eduardo Gomes, professor da Universidade Federal Fluminense
quarta-feira, 13 de maio de 2009

por Heloisa Pereira

 

Programas de responsabilidade social corporativa se multiplicam em anúncios publicitários e relatórios anuais de empresas. Poucas são as organizações que não realizam, atualmente, alguma ação de caráter social. Colocar em pauta, no debate público, qual o papel das empresas no desenvolvimento social do país foi um importante avanço, mas a popularização do conceito oferece o risco de se confundir responsabilidade social com assistência social.

 

“A Responsabilidade Social deve fortalecer o bem público”, acredita o professor e pesquisador Eduardo Gomes, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Há anos estudando o conceito e a atuação das empresas nesse quesito, o professor explica, em entrevista, o que deve reger a atuação social das empresas e quais os desafios para que o investimento social seja feito com responsabilidade. E avisa: o tema é complexo demais para ser mensurado.

 

CanalRh: Há um real comprometimento das empresas com a responsabilidade social?

 

Eduardo Gomes: Em poucos casos, mas existe. Eu entendo Responsabilidade Social como uma atitude que fortalece a sociedade, o bem público, e não apenas revitaliza uma praça ou beneficia um grupo de pessoas. Nesse entendimento, são poucos os exemplos.

 

CanalRh: Programas internos de sustentabilidade, na maioria das vezes baseados em indicadores (Global Reporting Iniciative, Instituto Ethos etc.) contribuem para que a responsabilidade seja tratada com mais seriedade?

 

Gomes: É muito difícil medir Responsabilidade Social. Os indicadores são úteis aos institutos, ao marketing, mas Responsabilidade Social é um fenômeno complexo demais para ser medido. Uma empresa com notas mais baixas pode estar engajada em uma causa de maior interesse público do que outra com notas mais altas.

 

CanalRh: Muitas empresas colocam a área de responsabilidade social sob a gestão do marketing. Não há riscos de promover projetos que deem mais visibilidade do que tragam efetivamente retorno para a comunidade?

 

Gomes: Há sim, e isso acontece, mas independe de qual área é responsável pela gestão dos programas de Responsabilidade Social. A gestão pode ser delegada ao departamento de marketing, de Rh ou até mesmo à alta diretoria. O que importa é como ela é entendida e o que é feito, são as ações desenvolvidas. É natural que o marketing se aproprie disso, porque ela faz parte da competição de mercado e vivemos em uma economia de competição.

 

CanalRh: Qual é o princípio que deve reger um projeto de responsabilidade social?

 

Gomes: Fortalecer o bem público. O diretor-presidente do Instituto Akatu, Helio Mattar, fala que não existe uma empresa em uma ilha deserta. Ela usa água e matéria-prima, seus funcionários receberam educação, há toda uma infraestrutura provida pela sociedade que as empresas utilizam. E não há como medir isso. A Responsabilidade Social é uma retribuição, um reconhecimento de que a empresa depende do social. É, talvez, uma forma de devolver uma parcela daquilo de que ela dependeu para conseguir lucrar.

 

CanalRh: E quais são os maiores desafios para a implantação de um programa de RS?

 

Gomes: O desafio é entender isso. Entender sua relação com a sociedade em que ela se insere e o quanto ela é tributária dessa sociedade. E esse é um tributo não calculável. É difícil encontrar a melhor forma, a melhor medida: a questão é tentar, até encontrar um caminho. Estabelecer metas pode auxiliar, embora o impacto social dos resultados não seja mensurável.

 

CanalRh: Há alguma iniciativa que ilustre ações com foco no interesse público?

 

Gomes: Hoje se debate a criação de um fundo de financiamento para campanhas políticas, aberto à contribuição de instituições privadas. Essa é uma forma de contribuir para o debate político, patrocinar o exercício da democracia, sem vincular a empresa a candidatos específicos. É benéfico para a sociedade e para a empresa. Além disso, a iniciativa privada estaria mais apta a pedir assento em comissões de ética e de fiscalização do uso desse dinheiro, garantindo equilíbrio de distribuição de verbas. Esse é um exemplo de investimento social com espírito público, mais valioso para a sociedade.

 

CanalRH: A Convenção das Nações Unidas contra Corrupção (UNCAC, na sigla em inglês) vem chamando a atenção das empresas para o fato de que não adianta investir em Responsabilidade Social e depois financiar políticos corruptos. O senhor acredita que é possível evoluir como empresa ética a esse ponto?

 

Gomes: Sim, e um fundo como este seria um caminho, uma forma de se comprometer com a política de forma idônea.

 

CanalRh: Mas há, muitas vezes, interesse das empresas em patrocinar a campanha de um candidato e obter proteção quando ele estiver no poder...

 

Gomes: Bem, todas as entidades possuem seus lobbies. Isso faz parte do nosso modelo econômico. Nos EUA, eles são mais regulamentados, por aqui ainda não. E esses empresários têm interesses. Mas, quando o financiamento de campanhas está vinculado a grupos políticos, a imagem da empresa também fica mais vulnerável à opinião pública (especialmente quando se concentra esse patrocínio a um ou dois candidatos).

 

CanalRh: O que se pode cobrar das empresas em termos de Responsabilidade Social?

 

Gomes: A sociedade pode de acordo com o que ela sentir que é danoso, de acordo com os valores em voga: hoje, por exemplo, preza-se muito o emprego, a saúde e a paz. O Gates Institute, do empresário Bill Gates, se propôs a acabar com a malária na África em 10 anos. Essa é uma demanda social. É dessa forma que a sociedade pode cobrar: levantando movimentos, apontando direções mais sustentáveis.

 

CanalRH: Os consumidores efetivamente diferenciam as empresas mais responsáveis das menos responsáveis?

 

Gomes: Há vários argumentos em favor dessa ideia. O Instituto Akatu partilha deles. Eu sou cético. Quando ouço essa questão, penso logo nos produtos piratas. Se os consumidores fossem tão conscientes não existiria comércio de produtos piratas. Nas pesquisas de opinião, as pessoas afirmam acham importante as empresas investirem em Responsabilidade Social, que isso é um diferencial; na prática, comparando o número de pessoas que afirmam apoiar a Responsabilidade Social e o número de pessoas que compram produtos piratas, há uma incongruência. Mas esse é apenas um exemplo, e o mundo é muito complexo. Há realidades muito diferentes na África, no Brasil, na Suíça. Acho que o consumo pode, sim, ser um fator de diferenciação, acredito no trabalho do Akatu, mas é um fator que precisa ser sempre ponderado.

 

CanalRh: O que uma empresa que investe em RS tem a mais, ou pode ganhar a mais, do que aquela que não investe?

 

Gomes: O que a empresa pode ganhar com isso é o que, em termos pessoais, nós costumamos chamar de “paz de espírito”. O ganho tangível, financeiro, é irrelevante e não deve ser uma meta. A Responsabilidade Social é uma retribuição ao que a empresa recebe da sociedade. Em troca, ela deve ganhar reconhecimento, e, por isso, tem todo o direito de mostrar suas ações, de tornar públicas suas iniciativas.

 

CanalRh: Quando a iniciativa privada investe na área social, os papéis de empresa e governo não se confundem?

 

Gomes: A responsabilidade pelo social - saúde, educação, condições de saneamento etc. – é do governo. E nenhum governo nega isso. Mas, se um município faz bem, o outro pode não fazer. Se existe ali uma empresa muito boa e condições de saneamento muito ruins, isso não é função da empresa. Ela pode auxiliar, pode fazer uma parceria com a prefeitura e também pode cobrar, fiscalizar. Mas não há dúvidas de que a questão social, saúde, são questões do Estado. São direitos do cidadão. Esses papéis não se confundem. O McDonalds, por exemplo, tem a Casa Ronald McDonalds, que oferece alimentação, hospedagem e apoio a crianças com câncer. Mas se, nos hospitais onde é feito o tratamento, as crianças não têm acesso ao remédio para a quimioterapia na rede pública, as famílias podem processar o Estado e exigir o medicamento, porque é um direito delas. A empresa não vem para substituir o Estado.

 

CanalRh: Ainda estamos no estágio do "altruísmo" egoísta?

 

Gomes: Não. O Brasil é exemplo de várias iniciativas de Responsabilidade Social com espírito público. Quanto ao altruísmo egoísta, não acho que ele seja uma fase, mas ele sempre existirá. Há iniciativas voltadas ao benefício da sociedade, mas sempre haverá outras, voltadas à obtenção de benefícios para si. É difícil vislumbrar um mundo onde todas as empresas tenham uma atuação em prol do interesse público.

Fonte:

http://www.canalrh.com.br/Mundos/entrevistas_artigo.asp?ace_news={FB2A987C-D85C-44BC-9547-FE7C671DFE69}&o={34BF0F3D-A925-4E04-9024-2D30E0DF15FB}&sp=?GGN1xV5684KLG/P/p=9HS0T;VE3Cy14;U;

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gostou ?Comente este artigo que acabou de ler.
Obrigada