quarta-feira, 22 de abril de 2009

“Investimento, crédito e narrativas de sustentabilidade: para além dos cifrões e do papel couchê”

“Investimento, crédito e narrativas de sustentabilidade: para além dos cifrões e do papel couchê”, por Bernadete Almeida*
"A maioria dos analistas de investimento e crédito ainda fica completamente desconfortável diante da análise de informações que não estejam expressas em termos de reais, dólares ou euros. No entanto, um crescente número de analistas , pesquisadores e investidores já é capaz de entender indicadores como dióxido de carbono e absorver conceitos como grau de ecoeficiência , sem falar em outros aspectos da responsabilidade corporativa, como credibilidade, ética nos negócios e envolvimento comunitário.” 
Pedro Villani
Em meio ao ambiente onde o investimento social tem sido operado, por meio de alianças e parcerias, numa rede policêntrica formada por atores sociais que tiveram seus papéis reconfigurados ao longo dos últimos anos , tem vindo à tona a atuação de segmentos que, sem grande alarde, vinham apoiando, dinamizando e influenciando esse processo e passam a ser crescentemente percebidos como decisivos para a reconfiguração de uma sociedade mais sustentável e equilibrada. A comunidade financeira é um desses segmentos estratégicos, na medida em que opera duas atividades absolutamente estruturantes numa sociedade capitalista – ainda que ela esteja sendo posta em cheque, em razão da falta de regulação de mercados como o norte-americano: o investimento e o crédito.
Cada vez mais , os indicadores socioambientais têm composto o checklist para avaliação de risco em atividades de financiamento e investimento, embora esta ainda seja uma tendência em crescimento e não uma prática absolutamente consagrada no setor, como bem lembra Pedro Angeli Villani , gerente do Fundo Ethical, do Banco Real ABN Amro (comprado há mais de um ano pelo Grupo Santander ). Iniciativas como o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da Bovespa, são evidências do esforço do mercado financeiro em valorar empresas e seus papéis a partir de indicadores de sustentabilidade, apesar das polêmicas que volta e meia cercam o assunto, como por ocasião da recente exclusão da Petrobras no ISE. Mas isso é parte do (novo) jogo que está posto e os players bem o sabem
Os mecanismos de relacionamento com o mercado investidor, o entendimento de como o paradigma da sustentabilidade tem influenciado as decisões de investimento e o quanto o mercado de ações tem respondido e valorado a dimensão sustentável são temas que têm sido abordados com frequência. No entanto, é igualmente importante atentarmos para o fato de que as instituições de fomento ao desenvolvimento já há décadas – antes mesmo de a sustentabilidade ter alcançado o espaço que hoje tem na mídia – incorporam variáveis socioambientais às suas análises e decisões de crédito para empresas, projetos e nações.
Já na década de 1980, instituições como Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) começavam a condicionar a concessão de linhas de crédito (com juros abaixo do mercado e contrapartidas, caracterizando uma atividade de fomento ao desenvolvimento) ao cumprimento de uma série de exigências de natureza social e ambiental, e já nesse período as corporações precisavam evidenciar objetivamente seus esforços nessa direção. Existem autores que, inclusive, creditam a essas instituições, pelo poder de fogo do ponto de vista econômico e, portanto, capacidade de pressão e transformação,os significativos avanços obtidos sobretudo na gestão ambiental, em alguns segmentos de forte atuação global e com grande potencial poluidor como o petróleo (óleo e gás) e a mineração. O Banco Mundial, por exemplo, por meio de seu braço financeiro – a Intercontinental Finance Corporation (IFC) –, conta com uma série de parâmetros que ainda hoje são uma forte referência entre corporações que atuam globamente.
Deste modo, as empresas não só passaram a repensar seus processos à luz da sustentabilidade – entendida, por sua vez, nas dimensões econômica, social e ambiental – mas sobretudo precisam evidenciar esse esforço e as iniciativas derivadas dele junto a instituições de fomento, investidores, mídia e agências de rating (que recomendam ou não os papéis de determinada empresa), sem falar nos grupos de pressão , poder público e demais stakeholders. Em um cenário onde a sustentabilidade enquanto princípio se converte em atributo de valor, ganha importância o processo de relato da atuação sustentável. Embora os primeiros relatórios emitidos por grandes corporações a instituições de fomento, como o Banco Mundial e o BID, sejam anteriores a esse período, é na década de 1990 que surgem os primeiros modelos de balanço social aqui no Brasil, adotados por empresas de diferentes portes e segmentos. Primeiro foi a proposta do Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas (Ibase) –, em 1997, e, quatro anos depois, a do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que lançou uma nova proposição de balanço social que incorpora o modelo proposto anteriormente pelo Ibase, mas sugere que as empresas façam um maior detalhamento do contexto em que as decisões são tomadas, dos problemas encontrados e dos resultados obtidos, privilegiando uma perspectiva mais processual do relato.
No entanto, a partir de uma nova dinâmica mercadológica e de fluxos de interação que se impõem, surge a necessidade de algumas corporações brasileiras ou que atuam no Brasil de se comunicar com stakeholders em todo o mundo, evidenciando seus indicadores de sustentabilidade a partir de parâmetros globalmente aceitos, uma vez que essas empresas passam a operar em âmbito global e estão expostas a formadores de opinião que observam o mercado como um todo. Nesse contexto, emergem as Diretrizes da Global Reporting Iniciative (GRI) como a referência mais adotada, justamente por ser um padrão internacional. Em 2007, foi lançada a versão revista do modelo – a G3 – e, de fato, o grande mérito de as empresas passarem a elaborar relatórios de sustentabilidade a partir desse modelo é sobretudo a criação de uma oportunidade de autodiagnóstico e de uma reflexão de toda a organização sobre a gestão e condução de suas atividades , tendo como parâmetros princípios e indicadores propostos externamente à empresa e aceitos pelo mercado. Ao mesmo tempo, a organização põe em prática sua dita accountability ao reportar ao mercado e comunicar a seus stakeholders, por meio desse instrumento, aspectos relevantes e críticos de sua gestão que possam ser de interesse coletivo ou específico de alguns grupos, mas sempre de modo objetivo e numa perspectiva evolutiva e temporal, já que os dados reportados são sempre referentes a uma série histórica de três anos – o ano do relato e os dois anos anteriores.
Assim, o relato do investimento social, outrora feito em publicações que primavam pela bela forma, fotos envernizadas e impressão em papel couchê – reproduzindo uma certa estetização da pobreza e de públicos atendidos por meio de fotos de crianças em ciranda e anciãos amparados por empregados uniformizados –, mas com pouca informação relevante e rastreável, centrada sobretudo na necessidade de comunicação da empresa (sedução e persuasão seriam termos mais apropriados), tende cada vez mais a ser substituído por documentos mais sucintos, objetivos e amigáveis para com o leitor.
Relatórios nos quais a informação passa a ser cada vez mais trabalhada a partir da ótica das partes interessadas, em articulação com os drives de posicionamento da empresa, nos quais os processos e as experiências de aprendizagem ganham voz em detrimento dos grandes números de valores financeiros aportados que pouco revelam acerca do propósito ou da eficácia das iniciativas reportadas. E é precisamente essa capacidade de estabelecer uma construção da narrativa que reflita os valores intrínsecos à coisa narrada, somada a aspectos como objetividade, que confere credibilidade às organizações e tem trazido resultados pragmáticos, já que esses reportes são fontes de informação para os já citados analistas de investimento e crédito, que, por sua vez, a partir também de critérios pautados em indicadores de sustentabilidade, passam a recomendar ou não papéis, gerando assim a semente de um círculo virtuoso em potencial.
* A jornalista Bernadete Almeida (balmeida@espm.br) é colunista da Plurale em Site e especialista em comunicação integrada e em gestão estratégica da responsabilidade social corporativa, com larga experiência na condução de processos de diálogo social e engajamento de partes interessadas.

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